Crescimento do setor faz maquininhas chegarem a qualquer lugar, da praia à feira
Seis cartões de crédito, três de débito e um do seguro do carro que, no momento do aperto, permite o saque de uma graninha extra. É com esse monte de plásticos que a bancária Nathalia Imparato paga as contas, compra ingressos para shows, roupas, comida e leva a vida, já que ela quase nunca anda com dinheiro vivo na bolsa. O Brasil tem, hoje, mais cartões do que gente: são pelo menos três para cada pessoa.
Dados da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) mostram que havia pouco mais de 684,3 milhões de cartões em operação em julho, enquanto a população brasileira girava em torno de 190 milhões.
O setor vem crescendo cerca de 20% ao ano nos últimos dez anos e deve continuar a mostrar fôlego. O grande motor desse segmento de dinheiro virtual é a facilidade do crédito e o desenvolvimento de tecnologias que permitiram que a grana de plástico chegasse à praia, à feira e a qualquer lugar em que um autônomo queira vender algo.
O feirante Juninho, dono de uma banca de frutas que percorre as ruas da zona sul e da região central de São Paulo, diz que o cartão hoje é a salvação de qualquer comerciante.
- Como a maioria das minhas vendas é em bairro nobre, a máquina traz segurança. Até o gerente do banco achou estranho porque começou a entrar muito mais dinheiro na conta para uma banca de frutas. Hoje fidelizei meu cliente porque não cobro o mínimo, divido a compra em três vezes e, se a freguesa precisar, deixo até fazer saque.
José Eduardo Manier, diretor de cartões da financeira Lecca, explica que o cartão tende a ocupar o espaço do crediário, do cheque e do próprio dinheiro. Segundo ele, há quem ande com os trocados no bolso, mas o cartão é mais prático.
- É uma tendência natural. Antes, as POS [ponto de venda, na sigla em inglês, as maquininhas] tinham que ter uma linha exclusiva para operar. Hoje, elas operam por celular e satélite. Isso faz com que até um ambulante na praia possa receber. Cada vez mais veremos isso no dia a dia e fica muito mais fácil e seguro sair sem estar com moedas no bolso.
É a segurança que atraiu o autônomo Wilson Viola ao mundo dos cartões. Ele vende livros em faculdades e viaja o país participando de eventos universitários para vender obras específicas para as mais diferentes áreas do conhecimento.
- Se não fosse a maquininha, só teria o cheque. E cheque de estudante eu não pego. Já cheguei a tomar calote de R$ 1.000 ao vender livros mais caros, de coleções caras e raras, a um aluno que pagou com cheque sem fundos. Hoje é cartão direto. É seguro, prático e facilita a venda.
Controle alto
Mas a facilidade pode virar rapidamente uma bola de neve na mão de quem não tem controle. A bancária Nathalia, citada no início da reportagem, aprendeu a duras penas como controlar os gastos. Segundo ela, não dá para abrir mão dos dez cartões que a acompanham diariamente, mas é possível saber exatamente o que gastou, com o que e quando.
- Sou economista formada e me organizo com uma planilha. Não carrego dinheiro comigo. Tudo é no débito e no crédito. Então tem que organizar para não perder o controle. Tem vezes que a gente esquece uma compra que fez e a fatura só vai cair no mês que vem, isso pode prejudicar, mas com a planilha dá para controlar.
Ela conta que começou a usar o método depois que quase faliu devido a tantas contas. A psicóloga foi quem deu a dica.
- Tudo que eu via eu queria comprar. Eu até conversava sobre isso na terapia. E chegou um dia que eu falei que teria que parar porque estava sem dinheiro. E ela falou: ‘passe a controlar seus gastos. Tudo o que gastar, até a esmola de R$ 1 para o mendigo, vai colocar na planilha’.
Juros caros
O especialista em finanças pessoais Marcelo Maron, diretor-executivo do Grupo PAR, seguradora ligada à Caixa Econômica, faz uma conta simples para mostrar como o descontrole como o cartão é perigoso.
- Imagine que você comprou uma televisão de 42 polegadas por R$ 2.000 e resolveu usar seu cartão de crédito. Se você não conseguir pagar nada nestes quatro anos, considerando os juros cobrados pelas administradoras de cartões, sua dívida se tornaria R$ 1.539.281. Um aumento de 75.000%.
Os especialistas dizem que o maior problema é que as pessoas esquecem que o cartão não é dinheiro, mas uma modalidade de empréstimo, que cobra juros sobre o tempo que aquela grana ficou emprestada para você.
- Quando se soma os cartões, parcelas de empréstimos e todas as obrigações do nosso dia a dia, a falta de controle pode levar à insolvência. As pessoas esquecem que cartão não é dinheiro, mas crédito. Uma dívida de R$ 2.000 no cartão de crédito, hoje, que não esteja sendo amortizada, transforma-se em R$ 10.534 em um ano; R$ 55.485 em dois; R$ 292.244 em três anos e, em quatro anos, o dinheiro é suficiente para comprar um imóvel.
Pelos últimos números da Anefac (Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), os juros do cartão estão em quase 240% ao ano.
Mercado potencial
Manier diz que ainda há muito para crescer. A estimativa é de que quase metade da população brasileira não seja bancarizada, isto é, não tenha sequer conta em banco para receber salário. Sete em cada dez ainda preferem o dinheiro vivo para pagar as contas.
- É comum, hoje, a classe média e a baixa renda (classes C, D e E) entrarem no mercado de cartões com o que chamamos de private label, são aqueles cartões de loja e de supermercados que agora permitem saques e coisas do tipo. Sem contar que muitos usam o cartão para fechar o mês.
Segundo ele, o mercado ainda precisa se educar financeiramente para evitar absurdos no uso do crédito como pagar uma fatura de cartão usando o limite de outro cartão.
- Não é à toa que se fala em crédito consciente. Tem que ter uma disciplina para não se atrapalhar. O consumidor está mais acostumado a olhar o tamanho da parcela que o dos juros. E o excesso de ofertas favorece o endividamento. Só que mais vale um cliente consciente do que um cliente que se enforca e não volta mais para o mercado.
Ele afirma que o espaço para crescer é justamente a grande briga das empresas do setor. Com o fim da exclusividade das bandeiras, os cartões puderam ir à praia. Agora o negócio é dar o cartão para quem ainda não tem crédito na praça usar de forma consciente.
- A cada dez clientes que pedem o cartão numa operação de varejo, possivelmente metade deles pode ser aprovada e metade, negada. Seja porque está no SPC, tem pendência no banco, não conseguiu comprovar renda ou qualquer outra coisa para aprovar o crédito. A saída seria um cartão pré-pago, que ainda é novidade no mercado. É uma forma de o varejo não perder a venda e ainda dar a chance de o cliente mostrar que poderia ter cartão comum.
Dados da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços) mostram que havia pouco mais de 684,3 milhões de cartões em operação em julho, enquanto a população brasileira girava em torno de 190 milhões.
O setor vem crescendo cerca de 20% ao ano nos últimos dez anos e deve continuar a mostrar fôlego. O grande motor desse segmento de dinheiro virtual é a facilidade do crédito e o desenvolvimento de tecnologias que permitiram que a grana de plástico chegasse à praia, à feira e a qualquer lugar em que um autônomo queira vender algo.
O feirante Juninho, dono de uma banca de frutas que percorre as ruas da zona sul e da região central de São Paulo, diz que o cartão hoje é a salvação de qualquer comerciante.
- Como a maioria das minhas vendas é em bairro nobre, a máquina traz segurança. Até o gerente do banco achou estranho porque começou a entrar muito mais dinheiro na conta para uma banca de frutas. Hoje fidelizei meu cliente porque não cobro o mínimo, divido a compra em três vezes e, se a freguesa precisar, deixo até fazer saque.
José Eduardo Manier, diretor de cartões da financeira Lecca, explica que o cartão tende a ocupar o espaço do crediário, do cheque e do próprio dinheiro. Segundo ele, há quem ande com os trocados no bolso, mas o cartão é mais prático.
- É uma tendência natural. Antes, as POS [ponto de venda, na sigla em inglês, as maquininhas] tinham que ter uma linha exclusiva para operar. Hoje, elas operam por celular e satélite. Isso faz com que até um ambulante na praia possa receber. Cada vez mais veremos isso no dia a dia e fica muito mais fácil e seguro sair sem estar com moedas no bolso.
É a segurança que atraiu o autônomo Wilson Viola ao mundo dos cartões. Ele vende livros em faculdades e viaja o país participando de eventos universitários para vender obras específicas para as mais diferentes áreas do conhecimento.
- Se não fosse a maquininha, só teria o cheque. E cheque de estudante eu não pego. Já cheguei a tomar calote de R$ 1.000 ao vender livros mais caros, de coleções caras e raras, a um aluno que pagou com cheque sem fundos. Hoje é cartão direto. É seguro, prático e facilita a venda.
Controle alto
Mas a facilidade pode virar rapidamente uma bola de neve na mão de quem não tem controle. A bancária Nathalia, citada no início da reportagem, aprendeu a duras penas como controlar os gastos. Segundo ela, não dá para abrir mão dos dez cartões que a acompanham diariamente, mas é possível saber exatamente o que gastou, com o que e quando.
- Sou economista formada e me organizo com uma planilha. Não carrego dinheiro comigo. Tudo é no débito e no crédito. Então tem que organizar para não perder o controle. Tem vezes que a gente esquece uma compra que fez e a fatura só vai cair no mês que vem, isso pode prejudicar, mas com a planilha dá para controlar.
Ela conta que começou a usar o método depois que quase faliu devido a tantas contas. A psicóloga foi quem deu a dica.
- Tudo que eu via eu queria comprar. Eu até conversava sobre isso na terapia. E chegou um dia que eu falei que teria que parar porque estava sem dinheiro. E ela falou: ‘passe a controlar seus gastos. Tudo o que gastar, até a esmola de R$ 1 para o mendigo, vai colocar na planilha’.
Juros caros
O especialista em finanças pessoais Marcelo Maron, diretor-executivo do Grupo PAR, seguradora ligada à Caixa Econômica, faz uma conta simples para mostrar como o descontrole como o cartão é perigoso.
- Imagine que você comprou uma televisão de 42 polegadas por R$ 2.000 e resolveu usar seu cartão de crédito. Se você não conseguir pagar nada nestes quatro anos, considerando os juros cobrados pelas administradoras de cartões, sua dívida se tornaria R$ 1.539.281. Um aumento de 75.000%.
Os especialistas dizem que o maior problema é que as pessoas esquecem que o cartão não é dinheiro, mas uma modalidade de empréstimo, que cobra juros sobre o tempo que aquela grana ficou emprestada para você.
- Quando se soma os cartões, parcelas de empréstimos e todas as obrigações do nosso dia a dia, a falta de controle pode levar à insolvência. As pessoas esquecem que cartão não é dinheiro, mas crédito. Uma dívida de R$ 2.000 no cartão de crédito, hoje, que não esteja sendo amortizada, transforma-se em R$ 10.534 em um ano; R$ 55.485 em dois; R$ 292.244 em três anos e, em quatro anos, o dinheiro é suficiente para comprar um imóvel.
Pelos últimos números da Anefac (Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), os juros do cartão estão em quase 240% ao ano.
Mercado potencial
Manier diz que ainda há muito para crescer. A estimativa é de que quase metade da população brasileira não seja bancarizada, isto é, não tenha sequer conta em banco para receber salário. Sete em cada dez ainda preferem o dinheiro vivo para pagar as contas.
- É comum, hoje, a classe média e a baixa renda (classes C, D e E) entrarem no mercado de cartões com o que chamamos de private label, são aqueles cartões de loja e de supermercados que agora permitem saques e coisas do tipo. Sem contar que muitos usam o cartão para fechar o mês.
Segundo ele, o mercado ainda precisa se educar financeiramente para evitar absurdos no uso do crédito como pagar uma fatura de cartão usando o limite de outro cartão.
- Não é à toa que se fala em crédito consciente. Tem que ter uma disciplina para não se atrapalhar. O consumidor está mais acostumado a olhar o tamanho da parcela que o dos juros. E o excesso de ofertas favorece o endividamento. Só que mais vale um cliente consciente do que um cliente que se enforca e não volta mais para o mercado.
Ele afirma que o espaço para crescer é justamente a grande briga das empresas do setor. Com o fim da exclusividade das bandeiras, os cartões puderam ir à praia. Agora o negócio é dar o cartão para quem ainda não tem crédito na praça usar de forma consciente.
- A cada dez clientes que pedem o cartão numa operação de varejo, possivelmente metade deles pode ser aprovada e metade, negada. Seja porque está no SPC, tem pendência no banco, não conseguiu comprovar renda ou qualquer outra coisa para aprovar o crédito. A saída seria um cartão pré-pago, que ainda é novidade no mercado. É uma forma de o varejo não perder a venda e ainda dar a chance de o cliente mostrar que poderia ter cartão comum.
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